domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma escassez por escolha, não por definição


Como já vimos no último post desta série, nunca houve uma escassez real das extensões de nomes do domínio, mas sim uma criação cuidadosamente planejada de novas extensões para abastecer o mercado ao longo dos anos, com exclusão os domínios de código de país (ccTLDs) e o suporte deles para conjuntos de caracteres internacionais. Para além do simples custo de um nome de domínio, seja clássico, internacionalizado, ou uma das quase dois mil novas extensões tão caras prestes a ser lançadas, muitos custos ocultos ainda ficam para serem descobertos, a maioria deles sendo custos externalizados.

Um bem posicional


O valor de um nome de domínio baseia-se principalmente na sua posição (ou ranking). Esta classificação pode ser expressa pela desejabilidade dele: uma marca valorisa o seu nome, os consumidores valorizam o nome da marca e da imagem que transmite. Também pode ser expresso como fator de otimização para os motores de busca: se quiser aparecer nas primeiras posições dos resultados de uma consulta num motor de busca, o seu nome de domínio faz parte da equação. Para além disso, se o seu domínio ficar um pouco baixo nas SERPs (para Search Engine Results Pages, ou páginas de resultados de pesquisas), os usuários vão reconhecê-lo e cliquar no link ja que eles o conhecerão com antecedência.
O conceito econômico de posicionalidade assume aqui um novo significado.

Custo externo de um número grande demais de extensões


Num mundo onde vão coexistir quase dois mil extensões de nomes do domínio, como é que nós vamos, como usuários, lembrar-nos de uma extensão em particular? Como vamos poder distingui-las umas das outras?
Qual é a diferença entre, por exemplo, harrypotter.com, harrypotter.book e harrypotter.movie? A extensão deveria dar-nos uma pista para entender o seu conteúdo, assim o .book e o .movie deveriam ser significativos. Mas quem hospede este conteúdo, e quem é o seu autor? Talvez trate-se de um comerciante único como a Amazon ou a Barnes & Nobles, ou o site da editora ou do autor. Ainda cabe espaço para os fansites?
O que é de harrypotter.lol e de harrypotter.wow? Qual valor facial estes domínios comunicam?

E nós focamos aqui apenas em marcas suficientemente ricas para estar presentes quase em toda parte. E se .books pertenceria finalmente à Google e .movie à Webdeus Inc. (aliás Radix, ou Directi) ?
Dizemos que .books pertence à empresa XYZ. Esta empresa está a cargo da extensão principal e pode vender qualquer nome de domínio sob essa extensão a quem o quiser. Isso quer dizer que vai trazer uma garantia específica sobre o conteúdo desses sites?

A única maneira para os usuários para encontrar a informação será a utilização de um motor de busca e/ou de uma pesquisa social. Nada de novo na verdade.
Mas eles vão ser esmagados por todos esses sites, e o valor que atribuímos a extensões específicas (.com contra .pt ou .com.br) vai perder-se no meio de um milhar doutras.

A sobrecarga cognitiva desta escolha é um dos custos externos que deverão pagar os usuários, bem como os motores de busca, e não parece ter benefício associado ao fim e ao cabo.

Custo externo dos nomes de domínio internacionalizados


O simples fato de permitir nomes de domínio internacionalizados (IDNs) carrega dentro de si a sua própria desvantagem. Desde que todos os usuários atuais da Internet aprenderam a esquecer todo diacrítico nos nomes de domínio que digitam, não há nenhuma necessidade real para um nome de domínio acentuado corresponder ao mesmo sem acento. Porém, para prevenir o cybersquatting, as marcas acentuadas precisam de comprar o seu nomes de domínio também acentuado.

A principal vantagem dos IDNs é o suporte para alfabetos não latinos. Até agora, as marcas eram habituadas a transliterar seu nome para ser conhecidas globalmente, mesmo em seu mercado local, e, portanto, têm o hábito de utilizar um nome de domínio transliterado.

Por exemplo, Uniqlo, uma marca de roupas japonesa, usa o nome de domínio uniqlo.com (escrito em romaji), e até mesmo a versão japonesa dele, uniqlo.jp, redireciona para uniqlo.com/jp/, enquanto o seu nome de domínio totalmente internacionalizado ユニクロ.日本 não exista.

Por outro lado, Beeline, uma marca de telecomunicações russa, é acessível através de beeline.ru e da versão cirílica Билайн.рф.

A implementação de nomes de domínio totalmente internacionalizados é um trabalho em progresso, e vamos ver mais e mais nomes de domínio localizados aos quais as novas gerações de usuários vão estar mais acostumadas.

Escassez ou não


Não há dúvida sobre a natureza artificial da escassez dos nomes de domínio. Vivemos um período histórico onde a internet teve de ser limitada em termos de espaço de modo que a rede possa atingir um nível mínimo de reconhecimento para alimentar o seu crescimento, então o número limitado de extensões de nomes de domínio e de alfabetos suportados. Podemos pensar em que este período foi desnecessário, demasiado longo, ou que a liberdade de nomeação teria podido ser canalizada de forma diferente (um salto quântico de todos os alfabetos e todas as extensões autorizados ao mesmo tempo, com todos os eventuais litígios para tratar, constituindo um caso extremo de liberalização). Porém, a solução implementada pela ICANN limita o acesso a um certo número de extensões pelo preço que as entidades (comunidades de indivíduos e corporações) estão dispostas a pagar, permitindo-lhes doutro lado candidatar para extensões genéricas não relacionadas com marcas.
Gostemos ou não, uma coisa é certa: o futuro dos nomes de domínio está à nossa porta.

Fotografia: Faucet Fountain, por D.H. Parks (CC BY 2.0)


Une rareté par choix, pas par définition (em francês)
Scarcity by design, not by definition (em inglês)
Una escasez por elección, no por definición (em espanhol)

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